Quando um indivíduo nasce, este assina o pacto social tácito de convivência em sociedade, conforme há muito tempo já concebido por Jan-Jacques Rousseau, e caso o descumpra será excluído do seio social por intermédio de medidas coercitivas.
Ademais, aquele que decide residir em um condomínio, subscreve voluntariamente as regras de convivência daquela pequena sociedade, ainda que não tenha participado das assembleias constituintes da convenção e do regulamento interno.
Rudolf Von Lhering, em sua matriz clássica do pensamento jurídico, já asseverava que a norma jurídica está sempre um passo atrás dos fatos, posto que somente surge a necessidade de regulamentação de determinadas situações ulteriormente ao seu implemento. Ou seja, o fato ocorre, torna-se um fato jurídico e merece a atenção do legislador para que o assunto se torne uma norma jurídica.
É certo que a pandemia do COVID-19 acarretou na modificação de inúmeros paradigmas, dentre estes a implementação do regime home office para boa parte da população. O interessante disso tudo é notar que essa modalidade de teletrabalho já é um fato inexorável e que se encontra estabelecido como novo standard de conduta.
Nos condomínios edilícios, notadamente os residenciais, era um consenso que, durante o horário comercial, ou seja, das 08h às 18h, os condôminos e demais moradores estariam em seus ambientes laborais e que, portanto, obras poderiam ser realizadas tanto nas áreas comuns quanto nas áreas privativas neste período. Já nas edificações não residenciais, a práxis orienta que as obras devam ocorrer justamente no que se considera contraturno.
Neste contexto antecedente à pandemia, quando da realização de uma obra no ambiente condominial, a única preocupação dos síndicos, gestores e condôminos/moradores, cingia-se ao “S” de segurança constante no artigo 1.336, inciso IV, do Código Civil, posto que inúmeras tragédias envolvendo as edificações prediais já ocorreram em nosso país.
As mais emblemáticas remontam ao (i) Edifício Joelma; (ii) Edifício Palace II e (iii) Edifício Liberdade.
O síndico tem, por força do artigo 1.348, inciso V, do Código Civil, o dever de guarda e conservação das partes comuns da edificação, a fim de evitar que eventos danosos e famosos como os citados acima venham a ocorrer.
O desabamento do Edifício Liberdade, ocorrido no Rio de Janeiro, no ano de 2012, em específico, fez com que houvesse o interesse para a criação na NBR 16.280 (norma técnica de reformas em edificações prediais). Isso porque o Edifício Liberdade somente desabou em virtude da ocorrência de diversas alterações estruturais junto às áreas comuns e privativas da edificação.
Assim sendo, o síndico, visando cumprir o seu dever legal de guarda e conservação, deverá – sempre que constatar a ocorrência de reformas nas unidades que tenham o objetivo de realizar alterações na estrutura física, elétrica e hidrossanitária, bem como caso sejam utilizados equipamentos de alto impacto, tais como martelete hidráulico – solicitar o cumprimento do item 5.1 na NBR 16.280, que demanda a apresentação do plano de reforma pelo condômino que deseja realizar obras em sua unidade.
O mencionado plano de reforma deverá conter: (a) especificação do projeto de engenharia ou arquitetura, com a anotação de responsabilidade técnica pelo respectivo profissional contratado; (b) tempo de duração da reforma; (c) materiais que serão empregados; (d) pessoas que circularão pela unidade pelo condomínio para a concretização da reforma; (e) plano de descarte de resíduos, entre outras etapas importantes que poderão ser observadas na própria norma técnica.
Apresentado o plano de reforma, o síndico deverá promover análise para constatar se as obras pretendidas são seguras e atendem aos pressupostos legais.
Caso não tenha habilitação técnica, o síndico deverá recorrer ao apoio de um profissional de engenharia ou arquitetura para esta finalidade.
Se o condômino não cumprir os requisitos do item 5.1 da NBR 16.280, o síndico deverá ordenar a imediata suspensão das obras manejando, inclusive, as medidas judiciais cabíveis para tanto, eis que o objetivo da norma é o de evitar a ocorrência de prejuízos à segurança e estabilidade da edificação.
Na hipótese de não adotar as cautelas estabelecidas pela norma técnica, e diante da ocorrência de um sinistro, o síndico também será responsabilizado por culpa in vigilando/negligência, caso não tenha adotado as cautelas devidas, eis que com segurança não se brinca.
No entanto, com a alteração do paradigma relacionado aos padrões de comportamento no ambiente laborativo pós-pandemia, boa parte da população brasileira passou a trabalhar em regime de home office, eis que tal modalidade, em diversos segmentos, se tornou o novo standard. Ou seja, há muita gente que passou a trabalhar em casa e assim permanecerá mesmo após os efeitos da pandemia cessarem!
Essa situação, já enfrentada como um fato jurídico, tornou-se um paradoxo, porquanto além do “S” de segurança, as obras em ambientes condominiais, ainda que realizadas dentro do interregno temporal preconizado pela maioria dos regulamentos internos dos condomínios residenciais brasileiros (das 08h às 18h), também passou a gerar impactos junto ao “S” de sossego (art. 1.336, inciso IV, do Código Civil), fator que induz a necessidade de alteração dos respectivos regulamentos internos, a fim de que todos os condôminos e possuidores possam usufruir satisfatoriamente de suas unidades autônomas (art. 1.228 do Código Civil). E isso vale tanto aqueles que desejam trabalhar, quanto aos que irão realizar obras.
Portanto, o desafio de consolidação de um regulamento interno que possua legitimidade e atenda aos anseios da massa condominial está lançado. O tema é paradoxal e exigirá habilidade de negociação dos síndicos e gestores condominiais, sobretudo porque as soluções deverão ter atenção ao princípio da hierarquia das normas, mas serão distintas para cada condomínio. Afinal: cada condomínio é único!
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Gustavo Camacho é advogado, sócio da Karpat & Camacho Advogados, pós-graduado em direito processual civil, pós-graduado em direito Civil e empresarial, LLM em direito
empresarial, pós-graduando em direito Imobiliário, líder coach, diretor jurídico adjunto da
ASDESC, presidente da comissão de direito do consumidor da OAB Joinville, articulista de
jornais e revistas especializadas em condomínios.
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